Com a profunda quebra da crise de refugiados de 2015 ainda em aberto e mais disposição por parte de alguns parceiros de a manter sangrenta do que cauterizá-la, a União Europeia está a exportar as suas diferenças, revigorando os alicerces da Ação Comum e o catálogo de direitos e valores que colocam a UE na vanguarda dos valores mundiais. Na democracia com valor agregado que conhecíamos. O oeste do passado.
O presidente democraticamente eleito que rompeu com o acordo foi Donald Trump, filho de imigrantes e duas vezes casado com mulheres migrantes. Trump prefere enfrentar desafios globais e a migração é um deles, à sua maneira. Por exemplo, fechando o Muro aos migrantes que chegaram às suas fronteiras com o México na Caravana da Fome. O exemplo de Trump seguiu a República Dominicana, Israel e Austrália, também essas nações imigrantes, para seu desalento.
Na Europa, por enquanto, eles disseram *não* ao Pacto para ordenar a migração e concordar com os direitos mínimos dos migrantes: Hungria, Áustria, Polônia, República Tcheca, Eslováquia, Croácia e Bulgária. A Itália vai pensar um pouco mais e a Suíça fará o mesmo.
No caso da Hungria, a razão apresentada pelo presidente Viktor Orban é que o pacto é *perigoso* e *encorajaria milhões de pessoas a seguir esse caminho*. A Polônia acredita que o Pacto não garante *segurança nacional* e, como na Itália, nas mãos de uma coalizão dominada pelo ministro do Interior e líder da Liga, Matteo Salvini, o argumento é que o Pacto tem que ser discutido com Tempo para o Parlamento "O governo italiano não irá a Marrakech, não assinará nada", disse Salvini.
O pacto migratório nasceu no início de 2016, num debate na Assembleia Geral da ONU. Da discussão saiu a chamada Declaração de Nova York para Refugiados e Migrantes, na qual todos os 193 Estados-membros reconhecem que o tema demanda uma ação global.
No texto, os países signatários se comprometem, entre outras coisas, a proteger os direitos de refugiados e migrantes, independentemente de seu status. Essa ideia central deve ser a base de um pacto mais amplo, defendido pela Alemanha, por exemplo, o país na Europa que mais recebeu refugiados nos últimos anos.
O pacto foi votado no plenário da ONU após 18 meses de negociações, e a assinatura deve ocorrer num encontro a nível de ministros em dezembro, no Marrocos. Só que a quantidade de signatários tende a diminuir.
Austrália, Hungria e, mais recentemente, a Áustria se distanciaram do acordo. A Dinamarca mostrou reservas, enquanto República Tcheca e Polônia o criticaram. Na Suíça e na Alemanha, populistas de direita fazem forte lobby contra o acordo. Mas o governo em Berlim garante que vai assiná-lo.
Segundo dados da ONU, há 250 milhões de pessoas no mundo em busca de um lugar melhor para viver, o que equivale a cerca de 3% da população mundial. De acordo com um estudo da consultoria McKinsey, essa parcela é responsável por 10% da produção econômica mundial.
Até o momento não existem acordos universais sobre o assunto. Para refugiados de guerra e vítimas de perseguição política há a Convenção de Refugiados de Genebra e a agência de refugiados da ONU (Acnur), que garantem certos direitos fundamentais mundo afora. Os migrantes que não se enquadram na Convenção de Genebra devem ser protegidos pelo novo pacto global de migração.
Além de algumas diretrizes, o pacto global da ONU traz 23 objetivos para uma *migração segura, ordenada e regular*. Trata-se sobretudo de mais responsabilidade e menos burocracia na migração regular e de um melhor acesso dos migrantes a diversos direitos fundamentais. A privação da liberdade deve ser o último recurso. Uma gestão coordenada de fronteiras e a luta contra o tráfico humano também estão previstas no acordo.
O pacto apela, por exemplo, a que a detenção de migrantes seja utilizada apenas como o último recurso e que os países procurem outras formas alternativas ou que a gestão de fronteiras possa ser feita de forma integrada, segura e coordenada.
Também propõe que todas as formas de discriminação sejam eliminadas, defendendo a promoção de um discurso público com o objetivo de modificar ideias preconcebidas em relação à migração.
O combate e a erradicação do tráfico de pessoas no contexto da migração internacional e conseguir que todos os migrantes tenham provas da sua identidade legal e documentação adequada são também outros dos objetivos mencionados no pacto.
Após a conferência em Marraquexe, onde o texto deve ser adotado sem uma assinatura formal, a Assembleia Geral da ONU será convidada a endossar formalmente o pacto global para a migração na forma de uma resolução.
O acompanhamento do pacto ficará a cargo de uma rede de coordenação para a migração, designada como *Rede para a Migração*, estrutura que será coordenada com a ajuda da Organização Internacional para as Migrações (OIM), órgão chefiado desde outubro passado por outro português, António Vitorino.
O número de migrantes no mundo está atualmente estimado em 258 milhões, o que representa 3,4% da população mundial.